O Conto Popular
O conto é um tipo de narrativa que se opõe, pela extensão, quer à novela, quer ao romance. De facto, é sempre uma narrativa pouco extensa e a sua brevidade tem implicações estruturais: reduzido número de personagens; concentração do espaço e do tempo, acção simples e decorrendo de forma mais ou menos linear.
Para Alexandre Parafita, os contos populares fazem parte de um universo cultural que tem como suporte a tradição oral de um povo, não sendo de fácil definição porque se confunde frequentemente com outros conceitos, como por exemplo a lenda e o mito. Mesmo assim arrisca dizer que um conto popular é um texto narrativo, curto, que procura deleitar, entreter ou educar o ouvinte, e que é geralmente ficcionado ou então de conteúdo presumivelmente verídico sem que isso constitua factor relevante na avaliação do acto narrativo em si mesmo. É um texto que tem uma origem anónima, faz parte da tradição oral de uma comunidade e reflecte os mais variados sentimentos da alma de um povo, os seus hábitos, usos, costumes, vícios e índole.
Embora o conto seja hoje uma forma literária reconhecida e utilizada por inúmeros escritores, a sua origem é muito mais humilde. Na verdade, nasceu entre o povo anónimo. Começou por ser um relato simples e despretensioso de situações imaginárias, destinado a ocupar os momentos de lazer. Um contador de histórias narra a um auditório reduzido e familiar um episódio considerado interessante. Os constrangimentos de tempo, a simplicidade da assembleia e as limitações da memória impõem que a "história" seja curta. Essas mesmas circunstâncias determinam, como já vimos, a limitação do número de personagens, a sua caracterização vaga e estereotipada, a redução e imprecisão das referências espaciais e temporais, bem como a simplificação da acção.
Dada a sua origem popular, o conto de que falamos aqui não tem propriamente um autor, entendido como um ser humano determinado, ainda que desconhecido. Na realidade ele constitui uma criação colectiva, dado que cada "contador" lhe introduz inevitavelmente pequenas alterações ("Quem conta um conto, acrescenta um ponto.").
Por outro lado, é bom ter consciência de que os contos populares com que hoje nos defrontamos são diferentes daqueles que, durante séculos, foram transmitidos oralmente de geração em geração. Em primeiro lugar, porque o seu registo por escrito implicou necessariamente alguma re-elaboração. Em segundo lugar, porque no acto de narração oral o código linguístico era acompanhado por outros códigos, variáveis de contador para contador e irreproduzíveis na escrita (a entoação, a ênfase, os movimentos corporais, a mímica...).
Também não podemos esquecer que o auditório estava fisicamente presente e condicionava o acto de narração, fazendo comentários ou perguntas e restringindo, com a sua censura implícita, a imaginação criadora do contador. É essa censura latente que ajuda a compreender a permanência dos elementos essenciais, independentemente do tempo e do espaço.
O interesse dos intelectuais pelo conto popular surgiu no século XVII, quando, em 1697, Charles Perraut publicou a primeira recolha de contos populares franceses, que incluía histórias tão conhecidas como "A Gata Borralheira", "O Capuchinho Vermelho" e "O Gato das Botas". Esse interesse pela literatura popular acentuou-se no século XIX, com os trabalhos dos irmãos Grimm, na Alemanha, e Hans Christian Andersen, na Dinamarca. Em Portugal destacaram-se nessa tarefa investigadores como Teófilo Braga, Adolfo Coelho, Leite Vasconcelos e Consiglieri Pedroso. O próprio Almeida Garrett recolheu no seu Romanceiro numerosas narrativas em verso, que são afinal parentes próximos do conto popular.
Estrutura
Fruto da sua origem oral, estes contos têm quase sempre uma estrutura muito simples e fixa. A própria fórmula inicial ("Era uma vez...") e final ("...e foram felizes para sempre.") revelam isso. Essa estrutura pode ser traduzida da seguinte forma:
- Ordem existente - situação inicial;
- Ordem perturbada - a situação de equilíbrio inicial é destruída, o que dá origem a uma série de peripécias que só se interrompem com o aparecimento de uma força rectificadora;
- Ordem restabelecida.
Personagens
A caracterização das personagens é sumária e estereotipada: os heróis concentram em si os traços positivos, enquanto os vilões evidenciam todos os aspectos negativos da personalidade humana. Dessa maneira personifica-se o bem e o mal e manifesta-se insistentemente a vitória do primeiro sobre o segundo.
A caracterização indirecta prevalece sobre a directa, visto que é sobretudo pelas suas acções que as personagens revelam o seu carácter.
Tempo e espaço
A fórmula inicial ("Era uma vez..." ou outra equivalente) remete para o passado e, desse modo, funciona como um sinal de que se vai passar do mundo real para um mundo irreal, o mundo da fantasia, onde tudo é possível. Esse mergulho no imaginário termina com a fórmula final: "...e viveram felizes para sempre."
Ao longo do conto as indicações de natureza temporal são sempre limitadas e vagas, não permitindo determinar com rigor a duração da acção ou a localização num contexto histórico preciso. O mesmo acontece relativamente ao espaço: um palácio, uma casa, uma fonte, uma floresta...
Na verdade, as vagas referências espácio-temporais aparecem apenas porque são uma exigência da narrativa, visto que nada acontece fora do tempo e do espaço. Não é o onde nem o quando que interessa, mas sim o que acontece, a acção. As próprias personagens são um mero suporte da acção, daí a sua caracterização estereotipada.
A conjugação dessas características (personagens estereotipadas e espaço e tempo indeterminados) concede às histórias um carácter atemporal e universal, que permite a sua reactualização permanente: é algo que poderia acontecer em qualquer tempo e em qualquer lugar.
Simbologia
Os contos tradicionais estão carregados de simbologia: dizem mais do que parecem dizer. A manifestação mais evidente é a referência sistemática ao número três, símbolo da perfeição desde tempos imemoriais. Mas há mais... A rosa aparece como símbolo do amor puro e total. O beijo desperta e faz renascer. A heroína é frequentemente a mais nova (e por isso a mais pura e inocente) e afirma-se por oposição às irmãs mais velhas e mesmo aos pais. O herói quase sempre tem que enfrentar uma série de provas antes de alcançar o objecto - símbolo do amadurecimento que fará dele um homem. Outras vezes sai da casa paterna em busca da autonomia.
Funções (importância) do conto
Em maior ou menor grau, o conto popular tinha as seguintes funções:
- preencher os tempos de lazer;
- propor aos ouvintes modelos de comportamento;
- transmitir os valores e concepções do mundo próprios daquela sociedade.
Em síntese, podemos dizer que os contos tinham (têm) uma função de entretenimento e uma função educativa. Por um lado, constituíam uma das formas de ocupar os tempos livres, geralmente os serões, reforçando os laços de convivialidade entre os membros da comunidade e despertando a imaginação dos assistentes; por meio deles era possível compensar a dureza e a monotonia da vida quotidiana, fugindo para mundos distantes e vivendo papéis e situações empolgantes. Por outro, concediam aos mais velhos um instrumento privilegiado para levarem os mais novos a interiorizarem valores e comportamentos considerados aceitáveis.
Classificação dos contos populares
São muitos os temas tratados nos contos populares, daí que sejam possíveis várias classificações. Por comodidade podemos reduzi-los a cinco tipos:
- maravilhosos ou de encantamento;
- jocosos e divertidos;
- de fórmula;
- de exemplo;
- religiosos ou morais;
- de animais;
- etiológicos (relativos à fundação de um local).
Alexandre Parafita escreveu dois volumes sobre a «Antologia de Contos Populares».
No I volume inseriu os seguintes contos recolhidos em Mirandela:
- Liberata e os pobres (1999), segundo informação de Maria Adelaide Pinto Soares, de 47 anos de idade;
- O vento, a água e a vergonha (1999), segundo informação de Maria Adelaide Pinto Soares;
- O lobisomem de Rego de Vide (1998), segundo informação de Maria de Fátima Lourenço, de 66 anos de idade.
No II volume, com 224 contos, existem alguns contos do concelho de Mirandela informados por Maria de Fátima Teixeira Colmeais, Maria Benedita Pires, Maria da Luz Morais Pontes, Maria Inês Sousa, Ana Margarida Lopes, Sílvia de Jesus Felgueiras e Genoveva Pires.
Alexandre Parafita na sua obra «A Mitologia dos Mouros» apresenta as seguintes lendas ou contos:
- Basília (Rego de Vide);
- Santa Comba e o Rei Orelhão (quatro versões);
- A lenda de Dona Chama (duas versões);
- A sineta dos Mouros (Torre D. Chama/três versões);
- A cisterna da Torre de Dona Chama;
- Mil ais (Milhais);
- O tesouro, a moura e o diabo (Eivados);
- A maldição da Serra dos Passos;
- O Monte da Moura (Suçães);
- O tesouro dos Mouros da Freixeda;
- O caçador e a Moura;
- Lenda do buraco da Muradelha (Vale de Salgueiro);
- O lavrador e a cobra (Vale de Telhas);
- Lenda da Fonte de Vide (Vale de Telhas);
- A fraga da mula (Frechas);
- Lenda do Regodeiro;
- A grade de ouro (Vila Verdinho);
- A velha e o carvão (Vila Verdinho);
- A chave de ouro;
- A pocinha do vale de Amieiro (Ribeirinha/Fradizela).